Pirandello, assassinos e chorumelos
certa vez um amigo me disse que seus melhores textos eram escritos após o banho, ainda úmido de toalha. até cheguei a tentar tal técnica, mas o máximo que consegui foi deixar minha cadeira úmida - pois bem, você então, leitor desavisado, pergunta qual a relação disto com o título. fato: tive esta idéia durante o banho (aliás, quantas idéias não surgiram neste simbólico cômodo domiciliar) e não conseguia encontrar maneira de introduzi-la. por isto este intróito.
feito o intróito, deve vir a apresentação. mas não sou nem um Camões – aliás, nem poderia comparar-me a tal figura – então continua enrolando. é que antes do banho lia Pirandello, na verdade não ele, mas o livro Um, nenhum, cem mil. não cabe aqui relatar todo o conteúdo do livro, mas resumo que ele conta de Vitangelo Moscarda, italiano, tantos anos, residente da rua tal e tal, no ano de tal e tal, em Richieri, Itália. este que no livro era um, mas se descobre dois, então muitos, cem mil até e por fim nenhum. o negócio é que um dia nos sabemos de um jeito que achamos ser absoluto e depois podemos vir a descobrir quantos realmente somos – sorte que Moscarda nos mostra o tortuoso caminho do saber-se (e suas possíveis conseqüências).
é que nessa de se saber a qualquer custo podem nascer seres incríveis ou simplesmente não nascer – como o Moscarda que ao final do livro de usurário, Gengê e sabe mais lá o quê. explico melhor: ele ao descobrir que tinha o nariz torto para a direita (vejam bem, para a direita), percebe que não é visto pelos outros da mesma maneira que ele se vê; se assusta então com a gama de Moscardas que haviam dentro dele sem ao menos saber – o doloroso despertar (como em Matrix para ser mais atual). eventualmente o chamariam de louco.
loucos, dementes, muitas vezes assassinos. não que ele tenha se tornado um assassino – aliás até tentaram matar o pobre. mas é que muitas vezes convém dizer que um assassino é também louco, desregulado, etc. que seja dito: assassinos foram consumidores de haxixe que matavam líderes sunitas e cristãos. Moscarda não consumia haxixe, nem matava líderes; aliás, se matou, matou-se e só.
e daí lembrei que existem pessoas que matam por literatura, assassinos literários (não, não que sejam escritores ruins) que matam pela bíblia, pelo corão, pelo torá, por manifestos, por hinos, por juramentos, até mesmo depois de ler o apanhador no campo de centeio. esses estão indo longe demais, buscando mensagens divinas. Pirandello me deu motivos de sobra para achar em mim motivos para matar – assim como para você achá-los em você. mas não vou tão longe, sou de bem. porém e quanto a todos esses outros loucos assassinos que saem de bibliotecas melhores armados do que de lojas especializadas. em tempos de referendo, acho que talvez fosse melhor questionar a venda destes livros, imagine só: justificar-me por um louco de nariz torto à direita. e olha que em alguns lugares seria um bom álibi. confessa que matou? sim. por quê? porque não era eu, era outro eu que não eu.
não que estes atos precisem ser necessariamente de assassínio físico, por assim dizer. de genocidas convictos a delitos pequenos, quantos não poderiam se justificar pela literatura? digo desde já: é proibido proibir, mas é que o ser humano é assim, encontra razões nos mais improváveis cantos e daí, da menor transgressão ao ato culminante, bastariam alguns parágrafos. imagine você, terminando de ler este humilde post e saindo por aí, transgredindo. talvez tenha exagerado. talvez não fosse eu.
mas é que em tempos de CPI fico pensando se não foram outros eles que roubaram e propinaram e negociaram e emprestaram – porque é impressionante como de repente ninguém sabe de nada. mas será que é possível ser outro por tanto tempo, tão freqüentemente? será que eles também leram Pirandello? o cabelo que bóia em minha sopa é descuido ou conspiração? melhor ficar na dúvida.
...e não me venha com chorumelos!
1 Comments:
Olha, eu preciso ler Pirandello, pq além dele ser um comediante incrível e divertido, ele é genial... eu, como uma pseudo-atriz, o adoro!
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