Depois que George Bush se reelegeu em novembro passado, não raro foram os comentários que ouvi de meus compatriotas sobre a insanidade do povo americano ao liberar a Casa Branca por mais quatro anos para esse chucro texano. Como nos tempos das monarquias absolutistas, Bushinho soube apelar para o divino e levou. Os 3 “G’s” (God, Gays e Guns) e a direita fundamentalista carregaram pelas mãos e entregaram a vitória ao Republicano.
Relembro esse fato para tentar entender o que está acontecendo com São José dos Campos. Local de importância nacional, no qual progresso e tecnologia se misturam à própria história da cidade, São José parece estar sendo invadida pela onda conservadora que engoliu as águias americanas. Enquanto criticávamos a distância, a ignorância e o radicalismo da ala religiosa gringa, um conservadorismo injustificável tomava, bem aqui no nosso quintal, as rédeas da política municipal. Aqueles que se espantavam com as frases de efeito de Bush – como a clássica “Deus quis que me tornasse presidente” – elegeram os vereadores que agora querem banir o funcionamento de bares após as 23 horas e a distribuição da pílula do dia seguinte na rede pública de saúde. (Será que algum sociólogo que, por acidente, venha a esbarrar com essas linhas pode desenvolver um estudo sobre a correlação entre desenvolvimento tecnológico e “revival” moralista? Por favor, ajudem a iluminar a ignorância desse que vos escreve...).
As leis em si (e minha posição sobre estas) são de menor importância se constatarmos, numa escala mais ampla, que a sua origem é primariamente baseada no subjetivismo do moralismo religioso. Usa-se o escudo da instituição familiar ou a inoperância governamental para tratar da segurança como desculpa. Não obstante, o cheiro de incenso de igreja sobrecarrega o ar de qualquer discussão visando validar a existência dessas leis. É tal processo simbiótico entre política e religião que deve ser combatido. A ressaca provocada por tal mistura, essa sim, é dura de curar. E não tem pílula que resolva.
Lá em 1648, o Tratado de Westphalia, o documento tido como pedra angular de Relações Internacionais como campo de estudo, já recomendava, ainda que indiretamente, que religião fosse extirpada do Estado. Mais tarde, pelos idos dos anos 70 do seculo XVIII, foram os arquitetos da independência americana que aconselharam a separação. Isso sem falar nos comunas que já profetizavam que o ópio tragado pelo mundo era a religião.
Ora, se numa democracia o Estado é laico, que se fechem as portas da política para o moralismo religioso!
Como podem olhar com ar superior para as incessantes imagens que vêm do Oriente Médio se aqui, debaixo de nossos narizes, atos da mesma espécie estão a ser cometidos? Claro, tudo ainda é micro se compararmos o conservadorismo joseense com os doidões do Taliban, mas isso é uma questão de escala. A inserção de valores religiosos a certos aspectos pode ter o seu valor, como já sinalizava a Teologia da Libertação. Todavia, a influência da Igreja em partes vitais do Estado - pela qual crenças são impostas independentemente de seus resultados junto à população - gera exclusão, semeia o preconceito e silencia diálogos. A pequena diferença entre crendices e cretinices não é apenas ortográfica.
Para piorar o cenário para os puritanos de plantão, muitas das ações com caráter moralista resultam no total oposto. Basta lembrar que nos anos 20, os EUA, baseados na sua direita religiosa, estabeleceram a Lei Seca. Resultado: crescimento das indústrias de fundo de quintal (os famosos “bootlegs”) e o aumento do crime organizado. Pode-se afirmar também que muitas das cenas como as do massacre de Columbine, no qual jovens foram baleados na escola pelos próprios colegas, são resultados das mazelas impostas à juventude daqui pela sua ala conservadora. Gerações inteiras são alçadas a um limbo insuportável. O quão longe estamos disso, é uma incógnita que não quero ver testada.
Em nome de um moralismo inexplicável, proíbe-se o lazer noturno fora de casa e, sem as pílulas, aumentar-se-á o lazer noturno entre quatro paredes. Gera-se um ciclo interminável onde as classes na base da pirâmide terão mais filhos, aumentando mais ainda nossa chaga social e obrigando os bares a cerrar as portas cada vez mais cedo.
Permitam que eu use as palavras do mestre Hunter Thompson: “the weight of [‘moralists’] sleazy, hypocritical bullshit is still heavy on the scales of our time.”